Sem investimentos em educação e infraestrutura, o Brasil “vai ser atropelado” pela revolução digital, avalia o especialista em robótica Edson Prestes. O brasileiro integra o Painel de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Digital, que se reúne pela primeira vez nesta segunda-feira (24), em Nova Iorque. Em entrevista ao Centro de Informação da ONU para o Brasil (UNIC Rio), o pesquisador defende que países em desenvolvimento precisam ter mão de obra qualificada para lidar com a crescente automação do setor produtivo.
O painel de alto nível foi convocado em julho pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que reconheceu o potencial socioeconômico das ferramentas digitais e suas contribuições para o desenvolvimento sustentável. Composto por 20 experts e autoridades em tecnologia, o organismo foi encarregado de elaborar recomendações para ampliar parcerias entre governos, setor privado, academia, sociedade civil e a comunidade técnica.
“Para trabalhar em áreas de alta tecnologia, é preciso ter uma formação adequada. Fora do país, (existem) inúmeras mobilizações para que sejam incentivados cursos na área de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (conhecidas pela sigla STEM)”, ressalta Prestes, que é doutor em Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No Brasil, o aprendizado de competências para esses setores críticos apresenta lacunas desde o ensino fundamental. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) 2015, realizado em 72 nações com estudantes de 15 anos, mostra o país sul-americano em 63º lugar no exame de Ciências e 65º, em Matemática. As médias dos alunos brasileiros – 401 e 377, respectivamente – ficam bem abaixo de nações como Cingapura ou Canadá, ambos com notas acima de 500 nas duas disciplinas. O desempenho do Brasil também é bem inferior à média dos Estados-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – 493 em Ciências e 490 em Matemática.
Conhecimentos básicos nessas matérias e em tecnologia serão fundamentais para integrar os trabalhadores em novos sistemas produtivos, com robôs e softwares de otimização. “A automatização vai atravessar todas as áreas, em diferentes níveis. Sistemas de inteligência artificial vão permear o nosso dia a dia”, afirma o pesquisador brasileiro. O acadêmico também integra a Sociedade de Robótica e Automação do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), dos Estados Unidos.
Quando se fala em automação,
uma das soluções é recapacitar
pessoas para essa realidade.
Um levantamento divulgado no ano passado pelo Instituto Global McKinsey estima que, pelos próximos 13 anos, até 30% de todas as horas trabalhadas no mundo poderão ser suprimidas por métodos automatizados de produção. A consultoria também prevê que, quando chegarmos a 2030, até 800 milhões de postos de trabalho poderão sumir por causa da adoção acelerada da automação. Num cenário menos favorável à aplicação dessas tecnologias, o número cairia para ainda consideráveis 400 milhões.
O pesquisador brasileiro, porém, desmitifica a ideia de que os robôs e computadores vão tirar os empregos dos trabalhadores. “Não vai ter uma substituição direta de humanos por máquinas, a não ser em trabalhos puramente braçais.”
Nesses casos, segundo o especialista, será necessário investir na qualificação da mão de obra deslocada, a fim de garantir sua absorção pelo mercado. “Quando se fala em automação, uma das soluções é recapacitar pessoas para essa realidade”, explica.
Outro horizonte para a inserção laboral é o ramo de TI. Ainda de acordo com McKinsey, o consumo de tecnologia poderá aumentar em 50% até 2030 – metade desse crescimento estaria associado a serviços de TI. A expansão do setor poderia criar de 20 a 50 milhões de novas vagas em todo o mundo.
Acesso à internet
Mas para participar dessa revolução digital na produção e no consumo, o Brasil e outros países em desenvolvimento precisarão superar lacunas não apenas na educação e na qualificação de mão de obra, como também em infraestrutura. “Quantas comunidades espalhadas pelo Brasil têm acesso à internet de qualidade e confiável?”, questiona Prestes.
Segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 2016, 46% dos domicílios brasileiros não possuíam nenhum tipo de conexão com a internet. Nos centros urbanos, o índice era um pouco menor (41%), mas em zonas rurais, a taxa subia para os 74%.
Estimativas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostram que, na região, o número de famílias com acesso à rede mundial de computadores mais que dobrou desde 2010, passando de 22,4% para 45,5% em 2016. Quando considerada a parcela da população que está conectada, inclusive por outros meios sem ser assinaturas domésticas, o índice sobe para 56%.
Nas economias ricas, o índice de acesso à internet é de 81%, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT).
Também existem diferenças na velocidade média de transmissão de dados. A CEPAL estima que a velocidade da conexão de banda larga fixa na América Latina esteja entre 5 e 6 Mbps, ao passo que entre os países da OCDE, a taxa chega a quase 16 Mbps.
No Brasil, o CGI.br calculou uma velocidade nacional nos serviços de internet em torno dos 10 Mbps para 2016, mas com oscilações entre regiões – no Sudeste, o índice atingia os 10,6 Mbps, enquanto o Norte registrava uma média próxima dos 7 Mbps. O comitê aponta que a qualidade do acesso é um fator fundamental para a efetiva digitalização da economia do país.
“Nós estamos muito atrasados”, afirma Prestes, que planeja levar para os debates do painel de alto nível as disparidades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Tecnologia pode criar ‘sociedades mais justas e igualitárias’
Se o docente defende que o Brasil e seus parceiros do Sul global não fiquem para trás nas transformações do século XXI, é por acreditar que a tecnologia é capaz de “melhorar a qualidade de vida das pessoas”. Prestes lembra que máquinas autônomas podem realizar atividades de alto risco no lugar dos seres humanos ou aprimorar serviços de educação e saúde.
Nós podemos, por exemplo, aplicar a robótica na
área de monitoramento ambiental para tentar mapear
a extensão de um determinado desastre
“Nós podemos, por exemplo, aplicar a robótica na área de monitoramento ambiental para tentar mapear a extensão de um determinado desastre e, a partir daí, tentar encontrar rotas de fuga. Ou utilizar veículos não tripulados para fazer monitoramento de fronteiras e combater o tráfico.”
Atualmente, já existem robôs que detectam e desarmam minas terrestres sozinhos.
Máquinas e inteligência artificial também podem ser utilizadas em diagnósticos e processos de decisão médicos, bem como em tratamentos para doenças mentais, como depressão e transtorno de ansiedade. Ferramentas digitais podem ainda ampliar o alcance e a qualidade da educação à distância.
“A tecnologia tem potencial realmente de transformar a sociedade em uma sociedade mais igualitária, mais justa. É nisso que eu acredito”, completa Prestes.
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